quinta-feira, 2 de março de 2017

O candidato Trump tinha um discurso “de raiz”. O Presidente Trump está começando a adotar um tom mais “Nutella”. Qual deles está certo? Os dois

A brincadeira comparando pessoas “de raiz” com pessoas “Nutella” viralizou nas primeiras semanas de 2017. Desde engenheiros até policiais, passando por mães e cachorros, todo mundo curtiu as versões “de raiz” (radicais e grosseiras) com as versões “Nutella” (politicamente corretas). Normalmente, a versão “de raiz” tinha a simpatia das pessoas o que mostra, mais uma vez, o quanto a sociedade, de um modo geral, está de saco cheio desta neurose “politicamente correta”.
Como sempre acontece com as boas piadas, esta brincadeira tinha um fundo de verdade. Até mesmo pessoas de bom senso não aguentam mais debates exagerados sobre o que é “apropriação cultural” e outras coisas cada vez mais desprovidas de sentido. Na vida real, o voto em Donald Trump, na minha visão, representou isto; a preferência de boa parte da população por um sujeito grosseiro, mas sincero nos seus pontos de vista, em relação a uma candidata-clichê (mulher, defensora de todas as minorias, etc...). Trump ganhou, e, para os que vivem na bolha politicamente correta, sua eleição representou o triunfo da boçalidade sobre a civilização. Menos, pessoal, muito menos. Tenho certeza que muitos dos que votaram em Trump são, efetivamente, racistas, homofóbicos ou machistas, e alguns isto tudo junto, mas uma boa parcela dos votos que ele recebeu foi de gente comum, sem grandes ódios no coração, que apenas se identificou mais facilmente com um candidato “de raiz” do que uma candidata totalmente “Nutella”.
O problema é que treino é treino e jogo é jogo, já dizia o grande craque botafoguense Waldir Pereira, o Didi, um dos maiores jogadores de futebol da história. O discurso de Trump foi forte o suficiente para leva-lo à Casa Branca, mas o dia a dia do poder exigia uma atitude mais moderada. Arrogante e acostumado a mandar e ser obedecido, Trump achou que podia usar na Casa Branca o mesmo estilo do empresário e do candidato. E, depois de um mês de atitudes catastróficas, acabou aprendendo pelo método mais duro; levando porrada.
O resultado é que ontem, na sua mensagem ao congresso, Trump se mostrou muito mais cordeiro do que lobo. Não é novidade; numa democracia, não é possível liderar sem estar disposto a ceder alguma coisa. Também é assim nas boas empresas e nos bons projetos; os melhores gerentes e executivos são aqueles que, mesmo tendo ideias próprias, estão sempre dispostos a ouvir equipes e clientes e buscar soluções de conjunto. É claro que não se pode ser “bonzinho” o tempo todo; mas não se lida com uma organização social (seja um país, uma empresa ou uma equipe de projeto) enfiando goela abaixo dos outros as suas verdades. Usando a frase antológica de Ernesto Che Guevara, “endurecerse, pero sin perder la ternura”.
É fácil fazer isto? Claro que não. Mas é a única saída, numa democracia. E, até prova em contrário, a democracia é a única forma de governo que leva ao progresso de forma duradoura. Trump dá a impressão que começou a entender isto, e ainda tem muito tempo para tentar transformar o que parecia ser a presidência mais atrapalhada da história americana em um governo pelo menos razoável (sinceramente, não acredito que ele tenha competência para uma nota maior que 6, mas... tudo pode acontecer). Espero, sinceramente, que ele entenda o quanto a sua capacidade de dialogar será importante para a paz e a prosperidade do mundo nos próximos quatro anos.
Quem viver, verá.