terça-feira, 30 de dezembro de 2014

MENSAGEM DE ANO NOVO – CONHECIMENTO X SABEDORIA

Esta é mais uma daquelas deliciosas historinhas que ninguém sabe exatamente de onde veio, mas que fazem a alegria de professores, palestrantes e contadores de “causos” que nem eu.
Dizem que um dia um aluno muito aplicado perguntou a um de seus mestres se já podia se considerar um sábio, uma vez que, nos últimos anos, tinha se dedicado exaustivamente aos estudos, concluindo de forma brilhante diversos cursos, além de ter lido todos os livros importantes.
O mestre sorriu e disse; gafanhoto, meu filho, hoje podes dizer que és um homem com muito conhecimento, mas ainda estás longe de ser um sábio.
Decepcionado, o discípulo perguntou; Mestre, mas afinal qual é a diferença entre conhecimento e sabedoria?
O velho se concentrou um pouco e falou; há uma bela cachoeira que fica a cerca de uma hora de caminhada daqui. Amanhã bem cedo vamos juntos meditar lá em busca desta resposta. Só que, para que a caminhada seja mais sofrida e nos faça merecedores do aprendizado, vamos colocar vinte grãos de feijão em cada um dos nossos sapatos. Fechado? (acho que, nas horas vagas, ele assistia o “Caldeirão do Huck”).
O discípulo topou e, no dia seguinte, foram os dois para a terrível caminhada. Depois de alguns minutos, o jovem mal conseguia disfarçar a dor que os feijões estavam causando; já o mestre, embora muito mais velho, seguia impávido e sorridente. Ao chegarem à cachoeira, o aluno tirou os sapatos, exibindo os pés machucados e sangrando, enquanto o professor continuava com seu sorriso enigmático. E então ele falou;
- Gafanhoto, meu filho, sabes porque não estou sentindo dor?
O jovem tentou arriscar uma resposta;
- Porque és um santo homem, porque a meditação fez com que vencesses a dor, porque te elevaste espiritualmente?
O mestre rebateu de primeira;
- Não, sua anta, é porque eu cozinhei os feijões!
E mostrou seus pés cobertos por uma gosma escura e mal cheirosa, com aspecto de feijoada que ficou dois dias fora da geladeira, mas sem nenhum arranhão.
A conclusão desta maravilhosa história é simples; o conhecimento teórico é muito importante, mas o sucesso na vida real exige muito mais que isto. Esta tese se aplica ao gerenciamento de projetos e a todos os campos do conhecimento humano. O fracasso, em termos de resultados, dos projetos brasileiros nos últimos anos, contrastando com o aumento exponencial no número de profissionais certificados, cursos de pós-graduação na área, enfim, de toda a movimentação que vemos em torno do tema “gerenciamento de projetos” é uma prova disto. Já decoramos todas as receitas infalíveis para o sucesso, mas na prática o que continuamos vendo são prazos atrasadíssimos, orçamentos estourados e escopos não cumpridos.
A minha interpretação é que temos muita gente propondo fórmulas e metodologias maravilhosas, muita tese, muito blá-blá-blá, mas na hora de meter a mão na panela e cozinhar os feijões, continuamos devendo. E advirto mais uma vez; se os resultados práticos não aparecerem, toda esta história de PMI, PMP, IPMA, PRINCE2, CANVAS e mais não sei o que, vai ser enterrada na vala comum das experiências fracassadas. Tenho certeza que nenhum de nós quer que isto aconteça...
Que 2015 seja o ano da sabedoria!

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

2014 – O ANO EM QUE O PROFESSOR KEATING ME ABANDONOU

No início dos anos 90 assisti a um filme que, de certa forma, mudou a minha vida; Sociedade dos Poetas Mortos. Se você não viu, vai entender muito pouco deste texto, mas pode aproveitar os feriados de Natal e final de ano para se dar o prazer de ver o filme, que está “em cartaz permanente” no YouTube (santa pirataria, Batman!).
Resumindo a história, um professor muito pouco convencional chamado John Keating começa a dar aulas de língua inglesa em um dos mais conservadores colégios dos Estados Unidos. Com bom humor e sabedoria ele leva aos alunos uma mensagem totalmente diversa da caretice da escola, mostrando que eles têm que viver com intensidade e paixão, mesmo que isto custe pequenas indisciplinas tais como arrancar páginas de um livro texto e otras cositas mas. Obviamente este comportamento entra em rota de colisão com os valores da escola, e este confronto atinge seu apogeu quando um aluno chamado Neil Perry, inspirado pelas palavras do professor “porra louca” decide que sua vocação é o palco; ele brilha na peça de fim de ano da escola como ator principal mas, no mesmo dia, seu pai, um militar “linha dura” que exige que o rapaz siga a carreira de toda a linhagem masculina da família, o retira à força da escola, com o objetivo de matriculá-lo em uma academia militar. Em casa, à noite, o rapaz não aguenta a frustração e se suicida. A corda, obviamente, rompe do lado mais fraco, o professor Keating é considerado responsável pela tragédia e demitido.
Além da abordagem muito interessante sobre o conflito entre o novo e o ultrapassado, e o nível de choque que isto pode causar, o filme se tornou antológico para mim pela interpretação de Robin Willians, na pele do professor Keating. Minha identificação com o personagem foi imediata, e até hoje tento ser algo parecido com ele em todos os lugares onde dou aula. Mais de uma vez procurei rever vídeos de algumas cenas do filme, especialmente a primeira aula dele, onde ensina o significado da expressão latina “Carpe Diem” (pode procurar no YouTube que também está lá, vale a pena).
Por tudo isto o suicídio do ator, em agosto deste ano, chocou-me profundamente. A repercussão da notícia no Brasil foi pequena porque, poucas horas depois, tivemos o acidente de avião que matou Eduardo Campos, e este assunto, obviamente, ocupou toda a mídia disponível. Mas eu me senti órfão. Robin tinha a mesma idade que eu, e, obviamente, morreu sem saber como foi importante para a minha vida. A coincidência entre o suicídio do aluno, na ficção, e o do mestre, na vida real, me fez refletir muito sobre a insensatez disto tudo.
“Make your lives extraordinary!” dizia o professor Keating. Aproveitem o dia; não deixem que suas vidas passem sem sentido. Robin Willians viveu uma vida extraordinária; mas nem assim escapou da depressão. Só posso ser grato a ele pelo que me deu, sem saber, e me confessar triste e perdido por este desfecho inesperado. A vida e suas contradições, etc...
Minha única conclusão sobre tudo isto é que a vida é uma merda. Eu sei que é chato falar uma coisa destas logo nesta época do ano, mas é o que sinto olhando para 2014. Talvez meu humor esteja abalado pelos 7x1, pelos escândalos da Petrobras, pelo mau desempenho do Grêmio... mas posso garantir que é um sentimento genuíno.
Antes que eu me esqueça, feliz 2015 prá vocês.

domingo, 14 de dezembro de 2014

PORQUE EU NÃO SUPORTO O TAL DE “POLITICAMENTE CORRETO”

Sou um grande admirador de Nelson Mandela, e o considero exemplo de como um líder justo e carismático é capaz de implantar mudanças mesmo em condições extremamente adversas. Depois da morte dele todo mundo concorda comigo, mas não era bem assim há uns oito anos atrás, quando aconteceu o “causo” que vou contar agora. Eu estava ministrando uma aula no MBA de gerenciamento de projetos da FGV-SP, e citei Mandela como um exemplo de líder transformador. Na turma havia três angolanos, um rapaz e duas moças. E uma delas me interrompeu e disse que Mandela não era tudo aquilo que eu estava dizendo.
Eu adoro quando alunos me interrompem e, principalmente, quando me contestam, porque sou democrata até o fundo da alma e acredito que a melhor forma de aprender e ensinar é através da discussão educada. Só que não foi difícil perceber que a mocinha estava com sangue nos olhos; ela via Mandela como um traidor dos negros, porque admitia ter brancos em sua equipe e procurava apaziguar os ressentimentos do passado. Ela achava que os brancos tinham que pagar por tudo o que tinham feito, e a posição conciliadora dele era vista por ela como frouxidão e falta de caráter. Percebi logo que o radicalismo dela impedia qualquer tentativa de debate inteligente, e antes que ela apelasse para um golpe baixo do tipo “você é branco, por isto não tem autoridade para discutir a questão dos negros”, dei um jeito de fechar logo a discussão e mudar de assunto. O interessante é que os outros dois angolanos, também negros, mesmo permanecendo calados durante toda a conversa deixaram claro, por gestos e expressões faciais, que não concordavam com as teses dela.
Lembrei este episódio ontem, quando vi a publicação do relatório do grupo que, pomposamente, se intitula “Comissão da Verdade”, com propostas de julgamento e punição para gente que já morreu e otras cositas mas. E a memória veio porque, na África do Sul, tivemos coisa semelhante, só que Mandela, como líder do projeto, fez questão de ouvir os dois lados. Desta forma, criou-se espaço para arrependimentos do tipo “eu fiz isto e aquilo porque, na época, acreditava que isto era o melhor para o meu país. Peço desculpas às vítimas e seus familiares”. Ou seja, houve um movimento no sentido de unir o que estava quebrado. No Brasil, como o poder apenas mudou de mãos, hoje ninguém pode contestar as vítimas de perseguição, assim como, na época, ninguém podia contestar os ditadores.
A pergunta que eu faço é; como alguém espera mudar alguma coisa com este tipo de atitude? Continuamos no ódio, só mudou o nome de quem bate e de quem apanha. Se pensarmos bem, toda esta ridícula praga do “politicamente correto” está baseada neste princípio; eles não querem direitos iguais para todos os que historicamente foram perseguidos, como negros, índios e homossexuais, mas sim revanche. Como a minha aluna rebelde, eles querem ver sangue; agora é a nossa vez! Olho por olho, dente por dente.
Recordando a atitude de gente que realmente mudou a história, como Jesus Cristo, Gandhi e Martin Luther King, por exemplo, vemos que a visão deles era sempre conciliadora, como a de Mandela. Quem conhece um mínimo sobre a Bíblia sabe que a diferença entre o Antigo Testamento e o Novo, que é o de Jesus, é justamente a introdução do perdão nas relações humanas. Em lugar da lei de Talião, cujo enunciado coloquei acima, Jesus propõe que se desculpe o irmão, não apenas uma vez, mas sempre. O sonho de Martin Luther King não era ver os negros dominando os brancos, mas todos vivendo como irmãos. Mandela seguiu esta linha.
A história nos mostra que uma sociedade só evolui a partir de propostas novas e discussões inteligentes. Resumir tudo a guerras santas tipo brancos x negros, homos x heteros, petralhas x coxinhas, não leva a nada. Sou contra a discriminação dos homossexuais, mas considero absurdo saber que um grupo de ativistas desta causa sugeriu um processo por homofobia contra o genial Maurício de Souza, apenas porque ele se recusou a colocar um personagem gay na turma da Mônica; menos, pessoal, muito menos. A historinha é dele, ele faz o que quiser. Na mesma linha, já teve gente querendo proibir Monteiro Lobato nas escolas porque descobriram uma frase que teria uma suposta conotação racista num de seus livros. Isto é doença, Lobato não só é um dos maiores escritores da língua portuguesa como um cidadão exemplar, um brasileiro cuja trajetória só nos orgulha (e quem trabalhou na área do petróleo, como é o meu caso, sabe muito bem disto).
Resumindo; Mandela, com sua visão de igualdade entre os seres humanos, conseguiu implantar avanços históricos em um país marcado, durante muito tempo, pelo ódio e segregação. No Brasil, infelizmente, os que se diziam arautos da mudança a cada dia se parecem mais com seus antecessores. Seguramente, o caminho do progresso não é este.