quarta-feira, 19 de março de 2014

O “CAUSO” DA HERANÇA DO TIO CHICO E O LEILÃO DE LIBRA

Tenho fama (justa, por sinal), de contador de “causos”. A explicação é simples; desde que comecei no ofício de dar aulas, entendi que a forma mais fácil e atraente para fazer com que os alunos entendam um conceito é inventar uma história simples, que mostre a sua aplicação na prática. E o gerenciamento de projetos, área onde atuo, permite o uso desta técnica constantemente.
Pensei no assunto quando ouvi diversos grupos influentes na opinião pública se referindo ao leilão de Libra como “entrega das riquezas brasileiras”. Esta afirmação, que se baseia em um nacionalismo que pode até ser sincero, não resiste à mais primária análise de riscos. E a melhor forma de explicar isto é através de um “causo”.
Vamos supor que você tem um tio meio extravagante, aquele tipo que nunca se casou nem teve filhos, mas tem muito dinheiro. Vamos chamá-lo de Tio Chico, como aquele personagem da família Adams. Um belo dia você recebe a notícia que o tio Chico morreu, e você é um dos herdeiros. E aqui vamos criar dois casos (cenários), que serão úteis para o entendimento da proposta.
No primeiro caso, o bom tio Chico te deixou um apartamento no Leblon, avaliado em dois milhões de reais. E o advogado dele já avisa; olha, se você não quiser se preocupar com transferência de propriedade, taxas e outras coisas, tem um cara aqui que gosta tanto do imóvel que compra, à vista, hoje mesmo. Resumo; você acaba de ganhar dois milhões de reais sem fazer a menor força. Grande tio Chico!
No segundo cenário, a herança é uma fazenda nos confins do Mato Grosso. O valor avaliado é o mesmo; dois milhões de reais. Só que, para tomar posse, você vai ter que ir até lá para registrar no cartório local, são dois dias de viagem por estradas horríveis, que ficam inundadas durante boa parte do ano, há boatos que parte da fazenda foi ocupada por sem-terra, na área existem casos de malária e febre amarela, enfim, as dificuldades são imensas. E, assim como no primeiro caso, existe um cara que quer comprar a propriedade agora mesmo, à vista. Ele vai pagar os dois milhões? Claro que não. Talvez te dê um milhão, um e duzentos, mas o certo é que ele vai querer um deságio, porque os riscos envolvidos no negócio são maiores. Simples assim.
O pré-sal é mais ou menos como a fazenda; vale muito, mas vai demandar custos, recursos e tempo para começar a dar lucro. E os riscos envolvidos não são desprezíveis. Numa análise muito preliminar e simplificada, podemos apontar logo duas grandes fontes de riscos para este projeto (existem outras, é claro);
a) Riscos técnicos; por maior que seja o conhecimento acumulado pela Petrobras sobre a tecnologia envolvida nesta exploração, o fato é que ninguém pode jurar que vai dar tudo certo, pela simples razão que nunca foi feito nada parecido no mundo. Não custa lembrar que, para viabilizar o empreendimento, as plataformas terão que produzir durante muitos anos. Como se comportarão os equipamentos, as colunas de produção e o próprio reservatório ao longo de dez ou quinze anos de produção? Até onde sei, ainda existem alguns pontos de dúvida, principalmente em função do ineditismo deste tipo de produção.
b) Riscos econômicos; a produção só vai atingir o seu ponto máximo daqui a uns dez anos, mais ou menos. Quem pode garantir que os preços do petróleo estarão no mesmo patamar de hoje? E a demanda?
O que queremos dizer é que, embora a perspectiva de ganho seja muito boa, as incertezas são grandes, e os custos envolvidos imensos. Num cenário destes, manda a boa prática que se procure parceiros (a estratégia é conhecida como “dividir o risco e compartilhar a oportunidade”). E é esta a proposta destes contratos; dividir os custos e, obviamente, os lucros, caso venham. Quem afirma que “esta riqueza pertence ao povo brasileiro” esquece (ou omite propositalmente, o que é pior) a segunda parte da frase; “se alguma coisa der errado, o prejuízo também pertence ao povo brasileiro”. Levando-se em conta que estamos falando em bilhões de dólares, e que o nível de incerteza ainda é alto, será que o tal de “povo brasileiro” iria querer encarar uma destas, se estivesse bem informado sobre o assunto?
Resumindo, é muito fácil dizer meias-verdades e jogar com o emocional das pessoas. Difícil é conduzir o processo de forma isenta e tomar a melhor decisão. A exploração do pré-sal pode ser o passaporte para o Brasil entrar no primeiro mundo. Mas para chegarmos lá teremos que ter disciplina, disposição de trabalhar e, principalmente, de respeitar os contratos assinados. Manifestações violentas, xenofobia histérica e guerras de liminares seguramente não vão ajudar em nada. Enfim, mais uma vez o futuro do Brasil está em nossas mãos. Que Deus nos ilumine para que tomemos as ações corretas.