segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

As lições do Barcelona vão muito além do futebol

Soube, há algum tempo, da existência de um livro chamado “A bola não entra por acaso”, de autoria de um tal Ferran Soriano. Pesquisando sobre o assunto, descobri que este cidadão foi o gerente de futebol do FC Barcelona entre os anos de 2003 e 2008, e conseguiu transformar um clube que tinha uma dívida absurdamente grande em uma organização lucrativa e eficiente.
O título do livro, segundo ele, veio de uma frase que ouviu de seu antecessor no cargo. Segundo este, trabalhar no futebol era uma coisa muito fácil; quando a bola entrava no gol, você era um gênio, quando a bola não entrava você era um idiota. Pensando no assunto, Soriano chegou à conclusão que, embora o componente de sorte seja bastante significativo no futebol (é muito maior que no basquete ou no vôlei, por exemplo), não se poderia atribuir o sucesso ou fracasso de um clube aos meros caprichos de uma bola. Em outras palavras; pode-se ganhar ou perder um jogo por pura obra do acaso, sem dúvida, mas isto não vai ocorrer ao longo de uma temporada inteira, muito menos de várias temporadas. Partindo desta idéia, e das dificuldades financeiras, o Barcelona resolveu que não era produtivo correr ao mercado todo ano disputando craques em leilões milionários, para tentar formar uma equipe competitiva; valia mais a pena investir em jogadores jovens e talentosos que, desde as categorias de base, fossem educados dentro de uma filosofia de jogo, de preferência passada por ex-ídolos do time (não por acaso, o técnico atual, Pep Guardiola, foi um dos grandes jogadores do Barça nos anos 90).
Como em todo o projeto que se preza, os resultados não viriam a curto prazo; mas a idéia era que, em menos de uma década (afinal, para torcedores de futebol um ano é uma eternidade), o Barça formaria uma equipe-base homogênea, com uma filosofia de jogo implantada, e na qual bastaria acrescentar um ou outro jogador extra-classe, que seria buscado no mercado (e que teria de se enquadrar no espírito do grupo, é claro).
Os resultados obtidos falam por si. O Barcelona tem sido protagonista de destaque em todos os grandes torneios mundiais nos últimos tempos. Não ganhou todos, é claro, porque os acasos do futebol existem (principalmente em torneios mata-mata, decididos em um jogo só), mas, principalmente nas duas finais que disputou neste ano de 2011, o melhor ano de todo o projeto (na Champions, contra o Manchester United, e no Mundial de Clubes, contra o Santos) estabeleceu uma superioridade técnica tão absurdamente grande dentro do campo que não deu qualquer chance ao azar.
Resumindo; o futebol “mágico” do Barcelona não surgiu de um dia para o outro. É fruto de um projeto cuidadosamente planejado, executado e controlado. E acho muito engraçado ouvir, hoje, na ressaca da humilhante derrota de um dos melhores times do Brasil, muitos “luminares” do futebol pregando que “os times brasileiros precisam jogar como o Barcelona, a nossa seleção tem que ser igual ao Barcelona”, e outras bobagens do mesmo gênero. Pessoal, isto não é assim; infelizmente, a nossa cultura nunca foi de planejar-executar-controlar. O brasileiro acredita piamente que é possível fazer as coisas acontecerem de uma hora para a outra. É assim em todas as áreas; o nosso foco é no curtíssimo prazo. Por isto nossos projetos não cumprem prazo, custo, escopo (ver as obras da Copa, as obras do Pan-2007, etc...). Ninguém acredita em planejamento no Brasil. No futebol, o reflexo disto é a rotatividade absurda de técnicos e jogadores que vemos nos nossos clubes; ninguém parece disposto a investir em um planejamento inteligente. E todo mundo acredita que é possível juntar, de uma hora para outra, um grupo de atletas que nunca atuaram juntos, botar no comando um treinador qualquer, e começar imediatamente a “jogar como o Barcelona”.
Só que a bola não entra por acaso...